terça-feira, 4 de setembro de 2007

A Doutrina do Corpo

A Doutrina do Corpo
Sato Tsuji

Sato Tsuji é um filósofo japonês contemporâneo e um conhecedor da filosofia ocidental. Segundo a tradição oriental, para ele a filosofia é mais que um esclarecimento da existência por meio do pensamento. Ela significa para ele ver a vida “com o corpo”.

Se a forma verdadeira do Ser humano aparece na posição ereta do tronco, o caráter do homem também precisa se manifestar por uma concretização dessa posição. Para manter essa posição, é necessária a tensão da “força de vontade”. Se esta diminui, os quadris se tornam fracos e assumem uma postura em que a região estomacal e a barriga ficam encolhidas. O peito está cercado pelos ossos das costelas que, naturalmente, não se podem dobrar. A barriga, ao contrário, está apenas apoiada pela espinha dorsal. Esta, por seu lado, compõe-se de uma série de ossos e vértebras e por isso não é possível curvá-la. Assim, deve se manter impreterivelmente ereta a vértebra lombar, senão essa parte se verga por si mesma, sob o peso do busto. Isso, porém significa que a inclinação material prevaleceu e que a pessoa se tornou passiva.
A kyusho (a mais importante, mais forte e, ao mesmo tempo, mais sensível parte do corpo, por assim dizer, a alma do corpo), situa-se no koshi (por koshi, o japonês entende a parte inferior do tronco abaixo do umbigo). Para se confirmar a força de caráter de uma pessoa pela postura, esta deve estar pressionando as nádegas um pouco para trás, colocando a força no koshi, à medida que faz dele uma pedra fundamental firme e duríssima sobre a qual repousa levemente a parte superior do corpo. A planta só adquire sua posição ereta com o apoio da terra. O homem, ao contrário, mantém-se ereto por si. Para isso deve existir um ponto de apoio nele mesmo, no próprio corpo, e esse ponto está enraizado no koshi. Se o koshi não está carregado de energia, o corpo não tem mais o centro em si mesmo e será puxado para baixo, para o centro vital que existe “fora dele”. Então acontece o descontrole dos membros.

O corpo perde seu sentido como vida subjetiva independente. Manter o koshi ereto é uma forma de afirmar a postura física ativa do homem. Podemos deduzir isso também da língua, pois existe a expressão koshi wo irer (introduzir o koshi), no sentido de dar estabilidade a algo oscilante) e, além desta o koshi wo suete kakaru (assentar o koshi e começar algo com o koshi assentado, no sentido de: começar algo com uma constituição bem firme).
Quando a parte superior do corpo é pesada e o abdômen, ao contrário, é leve, isso significa que esse homem tem uma constituição física na qual a vida é limitada pela materialidade. O mais elevado será puxado para baixo pelo menos elevado. Ao contrário, a parte inferior, pesada, ligada à parte superior, mais leve, do corpo demonstra uma constituição em que o homem tem caráter e vence a matéria. É isso que corresponde à lógica da vida. O que concretiza a lógica do ser vivo corresponde também à norma fisiológica. Quando mantemos o tronco ereto e deixamos o koshi pesado, ativamos a circulação sangüínea na parte inferior do corpo e sentimos calor no abdômen; cabeça fria e pés quentes há muito é considerado um sinal de saúde e, em contraposição, uma cabeça quente e pés, quadris e nádegas frios são largamente conhecidos como sinal de falta de saúde.
Hakuin Zenshi disse em Yasenkanna: “O caminho para cuidar da vitalidade consiste em manter a parte superior do corpo fresca e revigorada e manter aquecidas as partes inferiores.”
Para conseguir a posição correta do corpo humano, deve-se primeiramente encher o abdômen com a energia (genki) do corpo interior. Encher de energia o koshi significa, ao mesmo tempo, tensionar levemente os músculos da barriga. Quando tensionamos os músculos abdominais, aparece como núcleo dessa tensão um ponto de concentração sob o umbigo. Esse ponto de concentração chama-se kikai tanden. A arte desse fortalecimento – tanden (rentan) é a de liberar todas as forças instaladas nas diversas partes do corpo e concentra-las totalmente, de forma especial, no Tanden. O volume da parte inferior do corpo altera-se um pouco, visto de fora, mas ela parece firme. Assim na parte inferior do corpo efetua-se a mudança, embora o volume do ventre mude.
Nesse exercício, a inspiração é rápida, e a expiração, ao contrário, muito lenta, enquanto se fortalece pouco a pouco o Hara. Isso não significa, porém, que se economize o ar ao expirar. Retrai-se um pouco o queixo e abre-se ampla e largamente a base Hara (hara-no-soku) e expira-se forte e totalmente o ar. Essa expiração deve ficar cada vez mais volumosa quando se aproxima do seu término, a ponto de o pescoço dilatar. Mas quando não se tem nenhuma força na base do Hara, a expiração é resfolegante; mas quando se expira realmente, partindo da base da barriga, ela se torna forte e fluente.
O abdômen e as nádegas se completam, um como lado frontal e as outras como a parte traseira que formam a base do tronco e, dessa maneira, uma unidade especial. A força do koshi é uma energia com a qual se fixa a base do tronco.
Deixar que a energia do koshi flua significa manter as nádegas firmes ou contrair o abdômen. Se as nádegas são pressionadas para trás e o abdômen é empurrado para a frente, então se estabelece a base do tronco como se ele fora uma rocha. O osso ilíaco fica ereto, e forma-se entre as nádegas e o abdômen um eixo perpendicular ao corpo (taiku).
Deixar que a força do tanden flua “para dentro” não significa repousar o peso da parte superior do corpo sobre o abdômen. Quando se deixa a força fluir para dentro do koshi, o abdômen suporta a parte superior do corpo e obtém, por assim dizer, um caráter nominativo. Procurar a fonte de força do koshi na parte superior do corpo seria, portanto, um erro. Se pressionássemos ativamente a força do Tanden “para dentro” como se estivéssemos fechando um buraco com uma tampa, o corpo se entortaria e não alcançaria sua forma natural. A parte superior do corpo definiria o resto dele. A energia que enche o corpo deve ser, afinal, uma força que atue como se a parte superior do corpo não existisse. As forças do corpo inteiro são reunidas na base do tronco como se o abdômen crescesse na vertical a partir do centro da terra. O koshi carrega a parte superior do abdômen com uma força que age de baixo para cima. Se a força se concentra no Tanden, o ânus se contrai.
A postura em que a parte inferior do corpo é pesada e a parte superior do corpo leve faz com que se desenvolva necessariamente uma estrutura corporal com um koshi forte e um abdômen abaulado para a frente. Quando se adota uma postura correta, a gravidade do corpo recai inteira sobre o centro do osso ilíaco e o koshi torna-se inquebrável. Nada mais nos resta do que concentrar a força natural do abdômen. Ao se colocar a força no abdômen, os músculos da barriga se distendem de maneira agradável e sente-se a força aumentar no corpo inteiro. No momento da expiração, a tensão abdominal é mais forte, tão forte que um punho poderia ricochetear se fizesse pressão contra ele. Hakuin Zenshi comparou esse abdômen, em seu livro “Yasenkawa”, como uma “bola que ainda não tinha sido batida pela vara do bambu”. (Fala-se da força potencial, da elasticidade da bola.) Ele é parecido com uma bola de borracha.
Ao se esvaziar o peito, deve-se prestar atenção na parte superior do estômago. Esse local fica na dobra abaixo das costelas e acima do umbigo, e corresponde à parte chamada alto-ventre em oposição ao baixo-ventre. Quando o koshi se dobra, esse local se retrai. Pode-se ainda concentrar a força do corpo inteiro no Tanden se este também se retrair, mantendo-se o koshi ereto e tensionando-se o abdômen com a expiração. Antes de inspirar, nosso peito está vazio. O ar enche o tórax e, naturalmente, infla a região acima do umbigo. No processo de expiração a força dos músculos estará concentrada no abdômen. Então a parte superior da barriga se contrai naturalmente como se esta fosse sugada para dentro.
Se o koshi é o local mais importante para se conseguir a postura correta, podemos dizer que a nuca ocupa o segundo lugar importante. O koshi e a nuca são as partes mais instáveis de todo o corpo. A ligação do corpo com a cabeça é o pescoço, que deve ser fino e ter bastante mobilidade. Dependendo da posição da cabeça, a verdadeira firmeza do corpo se concentra na cabeça e no troco. Para conseguir-se a unidade do corpo inteiro é preciso procurar fazer o centro de gravidade cair exatamente na linha vertical do tronco. Os mestres ensinaram que se deve manter as vértebras cervicais posteriores eretas e concentrar a força na nuca. Como exercício, deve-se puxar o queixo de tal forma que “se sinta dor atrás das orelhas”.
Quando o peito se eleva, os músculos da barriga sobem e a musculatura do corpo inteiro se deforma. A força no koshi diminui. Não é saudável colocar a força no abdômen de forma violenta, nessa posição física desfigurada. Deve-se extrair a força que revigora os músculos da nuca da força criadora do koshi.
Uma vez que a nuca e o tronco são um só, e que os músculos da nuca não se deslocam nem se contraem, a cabeça aparece diretamente “desligada” do tronco, como se flutuasse no espaço. A cabeça é o céu, o tronco a terra. O céu e a terra, que afinal são “um” só, estão no contexto dessa unidade divididos numa duplicidade que provoca, assim, uma unidade maior, o Tenchi organizado (cosmos).
Os ombros devem ser vistos como uma das partes mais importantes do corpo no exercício da postura correta. Na postura correta, é importante deixá-los soltos. A verdadeira forma do corpo físico só se realiza quando os ombros se descontraem para o centro, confirmando dessa maneira ativa o verdadeiro vazio do céu e a plenitude da terra.
Quando se deixa os braços pendentes à vontade por longo tempo, eles se voltam para o centro vital. Deve-se portanto ter a sensação de que se deixou os braços cair no centro vital desde a ponta dos dedos até suas raízes.
Ao abrir as pernas num ângulo moderado, a sede do centro de gravidade torna-se mais ampla e o grau de estabilidade aumenta.
Já que o Tanden nada mais é que uma vivência da grande unidade transmitida a uma vida singular, o filósofo também deve conquistar a autoconsciência do Tanden como o exercício físico.